terça-feira, 29 de maio de 2012

Traição: CUT defende flexibilização de direitos

Uma traição sem precedentes à classe trabalhadora está sendo preparada pela CUT: a inclusão na lei da possibilidade de flexibilização de direitos trabalhistas. A proposta vem como contrabando, no projeto de lei que pretende regulamentar a negociação coletiva. Assim, vão dizer que quem é contra o projeto é contra a negociação coletiva. Mas se a negociação coletiva é para reduzir direitos, é melhor que não tenha mesmo nova regulamentação.

Propósitos suspeitos
Para que se entenda a questão, o projeto diz que os direitos do artigo 7º da Constituição, não podem ser objeto de negociação, o que é óbvio. O problema é mais embaixo. O projeto de lei, que tem origem numa proposta do sindicato dos metalúrgicos do ABC já apresentada ao governo em 2011, cria o “Acordo Coletivo com Propósito Específico” que pode ser celebrado entre o sindicato de trabalhadores e uma só empresa, diferente do que é hoje, pois só pode haver acordos entre sindicatos dos dois lados.

No final, a proposta estabelece que “aplicam-se aos Acordos Coletivos de Trabalho com Propósito Específico os dispositivos do Título VI da Consolidação das Leis do Trabalho, quando não incompatíveis com esta Lei.” Ou seja, os acordos poderão contrariar a CLT que tem hierarquia de lei e, portanto, pode ser alterada por outra lei.

Neste caso, a nova lei permitiria que a lei CLT possa ser desrespeitada, desde que tal ato seja aprovado em votação secreta entre os trabalhadores com pelo menos 60% dos votos. Votação secreta em decisões sindicais, já é uma aberração, pois todas as decisões são tomadas tradicionalmente em assembléias. O próprio sindicato do ABC é (ou era) acostumado a reunir milhares de metalúrgicos em assembléias gigantes que ajudaram a derrubar a ditadura militar.

No caso de acordo com uma empresa, o número de trabalhadores é bem reduzido e, sendo o acordo previamente acertado com os patrões não haveria nenhum obstáculo deles à realização de uma assembléia dentro mesmo da fábrica. Porque usar o biombo do voto escondido?

Propostas dessa natureza sempre foram apoiadas pela Força Sindical, o que não se pode classificar exatamente como traição, pois esta central neoliberal já nasceu atrelada aos interesses dos patrões. A CUT, ao contrário, nasceu justamente das lutas contra o sindicalismo pelego, atrelado a patrões e governos e representando efetivamente a classe trabalhadora que, a partir das lutas reais no final dos anos 70, precisava se organizar de forma independente para lutar pelos seus direitos.

Está sim, traindo o compromisso de defesa intransigente da classe que a criou, ao entregar aos patrões tudo o que eles sempre quiseram: a possibilidade de através de negociação coletiva reduzir direitos expressos em lei. Dirão eles que o objetivo é ampliar direitos, e que os trabalhadores devem acreditar na sua capacidade de mobilização. Falácia! Vamos deixar claro que negociar direitos maiores que os previstos na lei, sempre foi e continua sendo possível na legislação vigente. O que não pode, atualmente, é reduzi-los.

Qual a razão, então, para mudar o que está bom? Ora, quem propõe legalizar a possibilidade de reduzir direitos, só pode estar pensando, obviamente, em reduzir direitos. Ah, dirão eles, mas às vezes pode ser bom trocar um direito já conquistado por alguma outra coisa melhor.

Quanto vale um direito?
Mas que coisas poderão valer um direito? A CUT, presidida por Vicentinho já negociou com FHC a troca do tempo de serviço para aposentadoria por tempo de contribuição. Aliás, não negociou, porque negociar pressupõe receber algo em troca e, naquela ocasião nada foi recebido.

A CUT simplesmente apoiou a reforma neoliberal da Previdência. Depois apoiou também a possibilidade de trocar horas extras pelo famigerado banco de horas, abrindo mão do adicional. Quando o Ministério do Trabalho propôs às centrais a implantação do recibo de ponto eletrônico, pesadelo de patrões acostumados a apagar horas trabalhadas, os representantes da CUT disseram que era bobagem e não precisava. Os banqueiros e os patrões respiraram aliviados.

Fico pensando se nessas ocasiões algum sindicalista de alta patente mandou uma mensagem pelo telefone ao presidente da FIESP dizendo “somos teu…” como aquela que o ex-sindicalista Vaccarezza foi flagrado mandando para o governador do Rio na CPI do Cachoeira?

Porque uma central de trabalhadores defende tantas propostas dos patrões?
A CUT não é mais aquela entidade preocupada em organizar os trabalhadores enquanto classe explorada no sistema capitalista. Não se preocupa mais em chamar a categoria para greves e mobilizações para valer.

Na sua visão mobilizações só servem como jogo de cena com objetivo de legitimar os acordos que a cúpula sindical já acertou com governo e patrões, e nem devem ser muito grandes, para não correr risco de perder o controle. De preferência meia dúzia de dirigentes sindicais no salão verde da Câmara, ou alguns ônibus de dirigentes ou militantes terceirizados em frente ao Congresso.

A central finalmente transformou-se numa corporação nos moldes das corporações capitalistas, com dirigentes sem qualquer vínculo com o chão da fábrica, profissionalizados na condição de executivos, com escritórios, secretárias, ternos e gravatas como qualquer executivo de grande empresa.

Enfim a CUT evoluiu e pode ser comparada às centrais alemãs que tanto inspiraram seus dirigentes social-democratas. Especializaram-se em reunir com executivos de empresas e sentem-se orgulhosos quando conseguem “vender” aos patrões uma alteração no sistema produtivo com vistas a aumentar o lucro ou a produtividade das empresas, em troca, quando muito, de uma esmola trabalhista ou de uma ilusória “manutenção de empregos” que sempre duram pouco. O direito perdido nunca volta tão fácil.

Mas o pior mesmo é que a CUT não está sozinha. Estas posturas burocráticas de apostar em negociações de gabinete, ou de ocupar os aparelhos sindicais para atender interesses meramente aparelhistas e não mais ideológicos, se espalham perigosamente pelo movimento sindical brasileiro que cada vez mais se parece com aquele modelo antigo, pelego, que sustentou a ditadura militar por 20 anos e foi enterrado justamente pelos que agora ocupam seu lugar.

Não há perdão para traição quando toda uma classe é traída. Lembrem-se dos versos de Belchior: “não jogue flores sobre a cova do inimigo/as lágrimas de um jovem são fortes como um segredo/podem fazer renascer um mal antigo”. A classe traída, sempre jovem, saberá responder como soube nos anos 80, reconstruindo um novo sindicalismo.

Caio Teixeira - Jornalista

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