No mundo em que o indivíduo é tudo, vale aquela máxima de que só entende a
situação quem passa por ela. Hoje, a mim, ficou clara a situação coletiva em
Florianópolis. Somente hoje, a aula foi até tarde, não ganhei aquela carona e o
dinheiro para o táxi era pouco. E eu entrei no último ônibus a sair do terminal,
às 23 horas.
Se no congresso de estudantes sempre há um ônibus depois do
último, aqui a realidade é outra. A famigerada onda - que ora é objeto do
espetáculo na TV, ora é o horror dos patrões do transporte público - traga o
direito de ir e vir e cospe o arcaico toque de recolher.
O cenário no
terminal central de Florianópolis é deplorável. É a guerra, que carrega menos
fúria do que tristeza. A cidade vazia, corrobora para o vácuo entre catracas e
cabines. Não bastasse o pequeno número de linhas saindo a esse horário, todos os
ônibus seguem juntos, com carros de polícia que garantem sua escolta. E posso
dizer: o que vi, o que senti, foi senão, a tristeza, que se materializa no
silêncio e no abismo entre nós e os poucos.
São três os desesperos. O do
indivíduo que "só sente quando passa", ao perceber esvair-se, por tão pouco, seu
direito de ir e vir. E tudo que já era triste agora é ainda mais inseguro,
claustrofóbico e lamentável.
Tão grave quanto, é a violência. Que é causa
e efeito, num estado em guerra civil cotidiana, lenta, gradativa. Com ferro e
fogo, gente a margem desse mesmo sistema do indivíduo, responde ao que a carne
tem sofrido.
Não bastasse, infeliz é a resposta pública, que protege o
patrimônio privado dos barões do transporte, aceitando diminuir frotas e pouco
garantindo a segurança do povo. Se fosse o ser humano mais importante que a
propriedade, as pessoas estariam nas ruas, nos ônibus, na vida comum.
Clarissa Peixoto - Jornalista
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